Se para alguns não é evidente que o teletrabalho generalizado, nos serviços, por grandes temporadas, é pernicioso, desenganem-se. É claro que é. Muito do que se passa nas empresas surge da criatividade e proatividade que só a interação física proporciona
Por Fernando Neves de Almeida, Partner da Boyden.
Todos estamos conscientes do martírio por que estamos a passar. Felizmente, Portugal está agora num momento que parece de recuperação e todos os indicadores apontam para que, com a vacinação a continuar a bom ritmo (também, embora não só, graças ao excelente profissional que aparenta ser o coordenador do programa de vacinação), e os cuidados que, individualmente, vamos tendo, o pesadelo pode estar ultrapassado pelos finais do verão.
Aqui, me surge a primeira questão: teletrabalho até ao final do ano?
Estou consciente de que esta pandemia está a causar danos irreparáveis a alguns setores de atividade, como a hotelaria e turismo e quem deles depende. Muitos não sobreviverão. Também para o pequeno comércio o cenário não é o melhor. E se eu entendo a necessidade de ter fechado a restauração (dado o tema de se estar sem máscara), já não entendo o encerramento do pequeno comércio, estando os supermercados abertos. Enfim, entendo a necessidade de cautela e de salvaguarda da saúde pública; no entanto, quando isso gera falências e desemprego sem que, objetivamente, se prove o risco, já me parece um pouco demais. No entanto, todos estes setores vão abrindo, na minha opinião, seguindo um plano muito bem delineado.
Mas, e porque falamos de teletrabalho, uma outra classe de “trabalhadores” que supostamente poderiam trabalhar de casa, dada a natureza da sua atividade, os políticos e governantes, ficaram isentos de restrições à mobilidade. Ou seja, o teletrabalho não se lhes aplica. E eu entendo. Muito do trabalho de gestão dos assuntos complexos que têm em mãos requer presença física, sua e dos seus colaboradores. Não imagino o Presidente ou membros do governo a conseguirem ser eficazes a trabalhar a partir de casa, de uma forma sistemática. Parece-me óbvio.
Aqui me surge a segunda questão: porque é que nas empresas o teletrabalho é obrigatório, se quem nos governa, pelo exemplo, reconhece que para si próprio não é o mais adequado?
Se para alguns não é evidente que o teletrabalho generalizado, nos serviços, por grandes temporadas, é pernicioso, desenganem-se. É claro que é. Muito do que se passa nas empresas surge da criatividade e proatividade que só a interação física proporciona. Não tenho conhecimento de ninguém que obtenha sucesso no registo de “olha, vamos marcar um zoom para as 3h porque acho que aí vou ter uma grande ideia”. Muito do que se passa em ambientes de empresas de grande valor acrescentado implica interação, informalidade, espontaneidade, espírito de corpo, enfim, presença física, tal como na atividade dos governantes e políticos. É claro que há funções que, de uma forma mais sistemática, podem ser efetuadas em teletrabalho. E essas devem-no ser. Também a presença diária para a generalidade das funções pode não ser necessária; pode ser intermitente e planeada. Mas isso quem sabe são os gestores! Quem melhor do que os empresários e gestores para conscientemente procurarem o melhor para a empresa e para os seus trabalhadores? Seguramente, ninguém quererá surtos, porque esses implicam paragem total ou parcial da atividade. Como se pode imaginar, este é um momento de arregaçar as mangas e tentar recuperar o que se perdeu. E quem o faz são as empresas! É preciso não esquecer isso. Se queremos continuar a ter impostos (preferencialmente menores) que permitam que os reformados continuem a receber as reformas e os funcionários públicos os salários, é bom que as empresas funcionem e bem, porque são elas e quem lá trabalha que, com os seus impostos, possibilitam o país, como o conhecemos.
Como escrevi no início, o desconfinamento parece estar a correr bem. Será que as pessoas se contaminarão mais nas empresas (com máscaras e testes semanais) do que nos restaurantes? Cafés? Aglomerados como os que temos presenciado (com e sem máscara)? E já agora, nas Escolas e Universidades?
E aqui me surge a terceira questão: Será que o governo não confia nos empresários e gestores para zelarem pela segurança dos seus e dos seus negócios?
Além do mais, o governo, com esta medida de prolongar o teletrabalho de forma obrigatória, pode estar a criar condições para a conflitualidade laboral ao “proteger” aqueles que, de facto, não gostam muito de trabalhar. Que também os há. É já tema de conversa nas empresas, o potencial conflito com aqueles que não querem voltar ao escritório. Querem ir ao restaurante, à praia, ao supermercado e ao centro comercial, mas ao escritório não, por causa do bicho. A esses digo: olhem que o bicho anda por aí. Não é só no seu local de trabalho.
Leia a entrevista original na MULTINEWS