Quanto menos achamos que necessitamos dos outros e melhor os tratamos, mais a nossa nobreza se revela
Numa estada recente fora de Lisboa, tive de me deslocar a uma farmácia. Enquanto estava a ser atendido, reparei que, depois de mim, estava um senhor com um tablet que, ao ser atendido, o mostrou à pessoa que o atendeu, colocando-lhe algumas questões. Como estava perto, não pude deixar de perceber que a pessoa em questão era um Delegado de Informação Médica, em trabalho, e que procurava saber se determinadas referencias estavam ativas naquela farmácia, uma vez que o produto tinha sido relançado. O interlocutor, que me pareceu ser um estagiário, deu-lhe a resposta pretendida, com cortesia, mas logo se acercou um colega mais velho (não sei se diretor técnico) e com um ar muito arrogante perguntou qual era o assunto, uma vez que, presumo eu, percebeu tratar-se de um Delegado de Informação Médica. Um pouco surpreendido pela abordagem, o senhor lá disse ao que ia e fez uma outra pergunta adicional que se prendia com qual dos tipos de embalagem (quantidade) era mais procurado quando o produto estava no mercado, ao que o “chefe” respondeu muito arrogante e agressivamente que era informação confidencial que não poderia fornecer. Não sei se é ou não confidencial; o que sei é que a má educação e agressividade que presenciei não era necessária, em especial dirigida a alguém que estava a ser muito educado e a fazer o seu trabalho. Só me lembrei dos meus primeiros tempos de vendedor, em que desconsiderações como esta eram muito frequentes. Na realidade, vendedor ainda sou; de serviços. No entanto, felizmente, à medida que fui tendo mais responsabilidades, fui tendo o prazer de me relacionar com clientes mais educados e bem resolvidos.
Parece existir uma classe de pessoas a quem dá prazer tratar mal os outros, em especial, quando se sentem em posição superior. Para muitos, a posição de vendedor é inferior à de comprador e assim vai de usar o pouco poder momentâneo que possuem, para tentar inferiorizar os outros. Costuma-se dizer que é em posição de poder (ou de grande aflição) que o carater das pessoas se revela. E é bem verdade. Infelizmente, a agressividade verbal e o abuso da posição dominante com arrogância desnecessária é algo a que temos assistido amiúde na nossa sociedade. Infelizmente, algumas pessoas públicas dão o exemplo e os mimos trocados entre políticos não são um exemplo a seguir.
Embora a nossa sociedade não seja fisicamente violenta (pelo menos a história assim o demonstra) tenho constatado uma crispação verbal e uma agressividade exercida nas interações que nos está a transformar num país de mal-educados, banalizando a agressividade como uma forma de manifestar discordância. Falta-nos elegância.
Aquilo que presenciei na farmácia, vivi-o vezes sem conta na minha vida profissional, mas tenho a sorte de hoje não ter de o aceitar. No entanto, muitas e muitas pessoas não se podem dar a esse luxo sendo vítimas dos “bully’s” desta vida. Ofender por prazer mais não é do que passar um atestado de pessoa vil a quem o faz. Na psicologia há um termo técnico para esse tipo de comportamentos que é a agressividade. E se em alguns casos ela pode ser necessária, quando está em causa a sobrevivência, por exemplo, quando exercidas por pessoas soberbas sobre outras que pouco podem fazer, torna-se numa fraqueza de carácter socialmente desprezível. E então quando isso acontece em situação laboral (como foi o caso com que comecei o artigo) em que a pessoas se tem de sujeitar e, eventualmente, nada dizer, é de uma violência desnecessária.
Penso que todos nós deveríamos cultivar um pouco mais de nobreza de carácter. Tratar bem os outros, não porque precisamos deles ou porque são mais “importantes” do que nós, mas porque é o correto fazê-lo. E quanto menos achamos que necessitamos dos outros e melhor os tratamos, mais a nossa nobreza se revela.